São 05h30 da manhã o despertador toca insistentemente me avisando que mais um dia se iniciava, irritado lanço um tapa violento no relógiofazendo-o parar de tocar e volto a dormir.Acordo de sobressalto olho pro relógio que marca 06h30 sinto um sorriso sarcástico nos ponteiros do relógio levanto rápidamente,lavo o rosto, escovo os dentes, faço a barba como de costume.
Como já estou atrasado resolvo diminuir o ritmo para descer e ao menos passar um cafézinho preto e comer um pedaço de pão com manteiga, ah que bom seria se tivesse um bom pedaço de bolo de fubá,como não tenho tempo para fazer um, fico com o pãozinho com manteiga e o café preto.
Enquanto tomo meu café sinto no ar um cheiro familiar, tento identificar o cheiro… é cheiro de fumo de cachimbo, arruda e guiné…
Olho novamente para o relógio, são 06h50 estou mais que atrasado, pego minha pasta, celular e carteira e saio correndo…Que trajeto cansativo ônibus e metrô lotados gente se empurrando e correndo para todos os lados, ao chegar no prédio vejo que esqueci um envelope com documentos importantes para entregar na faculdade e meu crachá, mais tempo perdido na recepção para fazer um crachá provisório para aquele dia.
Dia cheio, cansativo, muitas broncas e problemas a serem resolvidos, o dia parece não ter fim, vou me arrastando até que olho o relógio e já é hora de ir embora.Novamente é hora de encarar ônibus e metrô lotados até chegar em casa, chegando em casa jogo pasta, carteira, celular em cima da mesa e vou tomar um banho, estou tão cansado que somente troco de roupas e me preparo para dormir.
Assim que encosto a cabeça no travesseiro caio em um sono profundo e reparador, de repente acordo deitado na grama fofa molhada pelo sereno, ao meu lado de costas pra mim, sentado num tronco de árvore,está um preto velho.Sua luz e sua vibração me são peculiares, e de repente ele me saúda:” E e salve suncê zinfio, hehehe, num é doidera não fio sou eu mesmoVéio Juão da Mata, sei qui suncê num trabuca muitu cum eu, mais nego véio foi te busca.”Ele continua:” Noiti bunita né zifio, cér istrelado, lua cheia, hoje é dia de festa no terreiro, vamo fio se alevanta qui tem mais genti isperandu suncê lá senzala.”
Ele me estende a mão me levanta e me conduz pela mata até a senzala, pequenina, feita de pau a pique, no meio do terreiro está acesa uma grande fogueira, no ar um delicioso cheiro de café, milho verde cozido, bolo de fubá e broa assando no forno a lenha a mesa em umamoringa de barro um pouco de vinho e algumas broas já assadas.
Ao redor da fogueira muitos pretos velhos dançando e cantando uma cantiga embalados pelo batuque das crianças no fundo das panelas com o auxilio de colheres de pau, mas essa cantiga me é familiar…”Nego na senzala bateu sua caixa deu viva a iaiáá / Nego na senzalabateu sua caixa deu viva a Ioiô / Viva Iaiá Viva Ioiô / Viva nossa sinhora o cativeiro já acabou!!!!”
Ao me aproximar do terreiro uma velhinha, gorduchinha, muito simpática vem me receber:”Louvadu seja Zambi nosso Sinhô zinfio seja bem vindo à nossa Aruanda, essa nega véia tava isperandu suncê se achega. Vamu cumê i bebê pruque é dia di festa, não é sempre que se tem visita pur aqui.”
Fui levado à mesa e comi os mais deliciosos quitutes que já havia provado em minha vida, mas é claro, feitos com o amor das vovós não poderia ser diferente.
Então após cantarmos muito a Vovó que me recebeu vem conversar comigo:”Fio essa nega véia é a Vó Juana di Angola que suncê cunheci muitu bem, essa nega pediu pra Véiu Jão da Mata busca suncê pra suncê intendê umas coisinha.”
Eu: “Que coisas vó?”
Vó Joana: “Hehehe suncê já vai saber”Ao longe vejo se aproximando um velhinho com um filá branco na cabeça, muito curvado pela idade e ainda ao longe o reconheço é meu querido e amado Pai Velho, Pai Guiné de Aruanda, que pacientemente tem trabalhado comigo nos dias de gira no terreiro.Ele vem se aproximando e me saúda:”Louvadu seja nossu sinhô Jesus Quistu zinfio seja bem vindu ao nossu recantu, agora qui suncê já foi acoidu pelos guiaradu que trabaia cum suncê na terra agora vamu prozia.””Sabi fiu nóis obiservamu suncê hoje… e ficamu triste ca manera qui suncê se negativo.”
Vó Joana: “Nóis truxemu sunce qui pra ti mostra como as coisa são simpris, vê aquela mesa farta fio?”
Eu: “Sim, vó”
Vó Joana: “Pois é num tem as coisarada da casa di sinhozinhu fio só tem broa, bolo, miu cuzidu, sangui di cristo, e daquele qui na casa grandi num si bebi, é…. zifiu, e mudéstia a parti tá bão dimais né? Hahahahaha”
Eu: “É sim Vó está tudo muito gostoso”
Vó Joana: ” É pruqui foi tudu fitu cum amô, zinfiu, cum amô…”
Eu engoli seco as palavras dá vó e só pude deixar rolar algumas lágrimas de meus olhos e continuando a conversa Vô João sematerialisa ao meu lado.
Vô João: “Fiu sabe aquele ponto qui sincê tanto gosta?”
Eu: “Qual Vô?”
Vô João: “Quantas istrela tem nu céu / Nego Véiu já contô / Nu rosáriu di Maria meu Sinhô / Negu Véiu já Orô”
Eu: “Sei Vô”
Vô João: “Suncê já percebeu que esse ponto fala de humirdade e fé???”
E mais uma vez lágrimas rolaram de meu rosto e por fim Pai Guiné se manifestou.
Pai Guiné: “É fio mesmo trabaiando todo sábado com nóis e mais os Cabocro, os Erêzim, a Baianada, us Marinheru, us Boiaderu, us Ciganu e até cum us Cumpadi i as Cumadi suncê num aprendeu a lição mais simpris que tem……”
Eu com lágrimas nos olhos perguntei: “Qual? Meu Pai”
Pai Guiné: “Amar a si própriu”
Eu: “Não entendi Pai”
Pai Guiné: “Simpris se a nega véia não tivesse um amor tão grandi etão profundo por ela mesma não cunsiguiria colocar amor naquilu qui feiz, o Véiu Juão se não se amasse em primeiro lugar não poderia amar ao Pai Criadô di tudu i di todus, pois ele se amandu se reconhece como parti do Pai em sendu parti du pai ele foi capaz di encontrar a paiz e a pacença pra cunta as istrela du céu e ora inquantu cuntava. Intendeu, zifiu, pru qui qui negu véiu trazeu suncê qui?”
Eu: “entendi”
Pai Guiné: “Pois leve cum suncê tudu qui viu, qui sintiu, qui aprendeu i divida cum seus irmão dispostu a aprendê cum suncê, tábão?”
Eu: “Sim meu véio pode deixar.E despertei no horário de sampre, mas com a certeza de que um bom dia quem faz sou eu na companhia de Deus.
Ditado por Pai Guiné de Aruanda, Vovô João da Mata e Vovó Joana de Angola.
Um abraço fraterno