Histórias ou Lendas sobre Santa Sara Kali
Segundo alguns historiadores, por volta dos anos 50 d.c, uma embarcação teria cruzado os mares a partir de terras Palestinas levando a bordo para fugir das perseguições de Roma aos primeiros cristãos…
Os primeiros cristãos seria um grupo de personagens bíblicos: Maria Jacobina ou Jacobé, irmã de Maria, mãe de Jesus, Maria Salomé, mãe dos apóstolos Tiago e João, Maria Madalena, Marta, Lázaro, Maximiliano e Sara, uma negra serva das mulheres santas e aportado em uma pequena ilha situada em águas do Mediterrâneo. Milagrosamente, a barca sem rumo e à mercê de todas as intempéries, atravessou o oceano e aportou com todos salvos em Petit-Rhône, hoje a tão querida Saintes-Maries-de-La-Mer. Sara cumpriu a promessa até o final dos seus dias. Sara teria sido uma das primeiras convertidas ao cristianismo e morrido a serviço de suas companheiras de viagem.
Uma outra versão contada é que Sara era uma escrava egípcia de uma das três Marias, Madalena, Jacobé ou Salomé; e junto com José de Arimatéia, Trófimo e Lázaro foi colocada, pelos judeus, em uma barca sem remos e alimentos. Desesperadas, as três Marias puseram-se a orar e a chorar. Aí então Sara retira o diklô (lenço) da cabeça, chama por Kristesko (Jesus Cristo) e promete que se todos se salvassem ela seria escrava de Jesus, e jamais andaria com a cabeça descoberta em sinal de respeito (acredita-se que deste gesto de Sara Kali tenha nascido a tradição de toda mulher cigana casada usar um lenço que é a peça mais importante do seu vestuário: a prova disto é que quando se quer oferecer o mais belo presente a uma cigana se diz: Dalto chucar diklô (Te darei um bonito lenço)). Talvez por um milagre, ou por obra do destino, eles chegaram a salvo a uma praia próxima a Saintes Maries de La Mer. Depois de muitos dias, o barco foi resgatado por moradores de uma vila próxima aos arredores da costa marítima. Todos, por serem brancos, foram acolhidos, exceto Sara, por ser escrava (egípcia) e negra. Um grupo de ciganos a fez, pois estavam nas proximidades e presenciaram o fato. Sendo assim, passaram a cuidar de Sara, que, com sua morte, posteriormente, os mesmos passaram a recorrer com pedidos à mesma, por ter sido uma pessoa querida em vida, e esta, os atendeu em espírito, realizando milagres. A partir disso, Sara se tornou Mãe e Rainha dos Ciganos, honrando-os e protegendo-os. O surgimento de sua capela – foi criada após a sua morte. Quando veio à falecer, os Ciganos foram até a igreja da vila pedindo que seu funeral se realizasse na mesma. Devido ao preconceito, os católicos da época recusaram. A partir de então, foi feito uma espécie de gruta/igreja para Sara, visitada até os dias de hoje. Quando em 1935 a Igreja tirou Sarah de sua Cripta, muitos ciganos se aplicaram à prova do punhal (punhal avermelhado no fogo sobre a veia do pulso). Diz-se que o Sol queimou o olhar de Sarah.
Quando o número de ciganos aumentou, a Cripta não deu para todos, e foi feito um acordo entre um gadjo chamado “Marquês de Baroncelli” e um cigano chamado “Cocou Baptista”, um chefe cigano muito influente. Até um certo tempo o acordo foi cumprido, mas os seus sucessores não levaram o trato a diante. Este chefe cigano foi usado, simplesmente um instrumento do gadjo, ele foi renegado e expulso pelo povo cigano.
Os ciganos de origem Calon, com o passar dos anos, alteraram algumas palavras da língua regional do povo cigano. Devido a estas alterações, houve algumas modificações idiomáticas no significado das palavras. Entre elas, podemos citar a palavra Kalin, que em Calon representa a palavra “cigana”. Já para os ciganos que ainda preservam a língua regional, Kali representa negra. Há algum tempo, existe esta confusão idiomática, envolvendo a cor da pele da Santa.Para os Calons, seria Santa Sara Kalín (a cigana) e não Santa Sara – a negra. Paralelamente, a história de Sarah chegou à Índia, onde os ciganos a associaram à deusa Kali, negra, poderosa, transformadora.
Outra versão conta que Sara era moradora de Camargue e teve piedade das Marias, resolvendo ajudá-las. Também dizem que ela era uma rainha das terras de Camargue ou uma sacerdotisa do antigo culto celta ao deus Mitra. Uma das explicações para estas histórias é que em Camargue existiram várias colônias de antigas civilizações, como a egípcia, a cretense, a fenícia e a grega. Por isso, muitos poetas e menestréis contaram a história de Sara, de acordo com o que ouviram de seu povo, e assim, o mito em torno dessa poderosa santa foi difundido pelo mundo e ela continua, até hoje, a ser adorada entre as comunidades ciganas. Nos dias atuais, a santa padroeira dos ciganos é comemorada com muitos rituais e tradições por mais de 15 milhões de ciganos espalhados em diferentes pontos da Europa, Ásia, África, Austrália e Nova Zelândia.
Para preservar a história original de Santa Sara Kali, é necessário lembrar que a igreja católica santificou-a como SANTA e, que é dessa forma que o povo cigano a cultua (e não em rituais).
Aqui no Brasil, Santa Sara divide a preferência dos ciganos brasileiros com Nossa Senhora Aparecida e São Jorge Guerreiro. Os ciganos brasileiros adoram Nossa Senhora de Aparecida, talvez por causa de sua cor, e muitos a equiparam à Santa Sara Kali. Se não têm a imagem dela, por ser difícil encontrá-la, por certo possui em sua Thiera (barraca) ou casa uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida. Às vezes têm as duas.
Certo é que ela é a mais venerada Santa para os ciganos e todo acampamento cigano conduz uma estátua da virgem negra depositada num altar de uma das tendas cercadas por velas, incenso, flores, frutas e alimentos.
Atualmente, as relíquias da Santas: Sara, Maria Jacobé e Maria Salomé, encontram-se na capela alta da Igreja de SAINTES-MARIES-DE-LA-MER; uma construção erguida desde o século IX, no antigo local do oratório dos discípulos. Contam-se as lendas que os restos mortais de Sara foram encontrados por um rei em 1448 e depositados na cripta da pequena Igreja de Saint-Michel.
No local são cumpridas promessas, feitas à Santa Sara Kali. Milhares de velas acesas são oferecidas à Santa. Em conseqüência disto, o calor torna-se intenso, não sendo possível às pessoas permanecerem muito tempo no local. Dizem até que o gás carbônico liberado pela queima das velas tornou a imagem da Santa Sara Kali escura, havendo até uma modificação na crença da cor da pele da Santa.
Além de trazer saúde e prosperidade, Sara Kali é cultuada também pelas ciganas por ajudá-las diante da dificuldade de engravidar. Para as mulheres ciganas, o milagre mais importante da vida é o da fertilidade porque não concebem suas vidas sem filhos. Quanto mais filhos a mulher cigana tiver, mais dotada de sorte ela é considerada pelo seu povo. A pior praga para uma cigana é desejar que ela não tenha filhos e a maior ofensa é chamá-la de DY CHUCÔ (ventre seco). Talvez seja este o motivo das mulheres ciganas terem desenvolvido a arte de simpatias e garrafadas milagrosas para fertilidade.
Muitas que não conseguiam ter filhos faziam promessas a ela, no sentido de que, se concebessem, iriam à cripta da Santa, fariam uma noite de vigília e depositariam em seus pés como oferenda um diklô (lenço), o mais bonito que encontrassem. E lá existem centenas de lenços, como prova que muitas ciganas receberam esta graça.
As mulheres ciganas também confeccionam saias, com as quais vestem a imagem da Santa.
A proteção de Sarah confere às pessoas emanações sempre benéficas que representam simbolicamente o ventre da sua mãe, seu sorriso, a irmã e a rainha: a “phuri dai” secreta dos Roms. Dizem que a pessoa de bom coração consegue ver o sorriso na estátua de Santa Sara. Verá que tanto seu sorriso como o dela estarão diferentes. Para os ciganos a estátua de Sara está carregada. Nela se condensam as energias sutis de muitas gerações de ciganos feiticeiros. Ela sempre atende a todos, principalmente às pessoas que têm a intuição mais desenvolvida e usam os oráculos como forma de divinação.
É de costume festejar as slavas (promessas ou comemorações em homenagem a algum santo). A Slava de Sara Kali é nos dias 24 e 25 de maio. A Slava de Nossa Senhora de Aparecida coincide com a comemoração dos gadjés, a 12 de outubro. Na Slava, é oferecido um banquete ao santo homenageado, onde é colocado o Santo do Dia no centro da mesa, em lugar de destaque e junto a Ele, um manrô (pão) redondo, que é furado no meio e onde coloca-se um punhado de sal junto com a vela. Esse pão é posto em uma bandeja cheia de arroz cru, para chamar saúde e prosperidade e, ao término do almoço, ele é dividido entre os convidados pelos donos da casa, junto com essas palavras de bênçãos:
THIE AVÊS THIAILÔ LOM, MANRÔ TAI SUNKAI
(Que você seja abençoado com o sal, com o pão e com ouro).
Pesquisa e texto escrito por Thaís Hélène Nicoline Crouzet