O Dia em que o pastor pisou no Terreiro

Onze de março de dois mil e quinze, na cidade de Santo André (SP), na Casa de Caridade Nossa Senhora Aparecida, presenciei algo que acredito ser totalmente não-ortodoxo, mas que foi simplesmente edificante.

Irei preservar o nome do visitante para evitar o fundamentalismo e não porque o mesmo me pediu.

O Pastor G, ministro da Igreja Evangelho Quadrangular, denominação evangélica, esteve em nosso Terreiro com sua família para fazer a preleção antes dos trabalhos. Chegou trajado como pastor, de bíblia em punho e juntamente com sua mulher, trazendo seu hinário e um violão.

Foi perceptível que ele estava temeroso, com medo, talvez por não estar acostumado com um local como aquele e com um ritual tão diferente. Mas acredito que seu maior receio seria a receptividade do corpo mediúnico e da assistência. Abriu um sorriso e primeiramente disse que estava muito feliz por estar naquele local, com sua família e que era um momento especial para ele.

Abrindo sua bíblia leu em Tiago 1:26-27

Se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã.

A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo.

E foi falando sobre sua experiência de trabalhos assistenciais, da necessidade da união das diversas religiões, de como a fé é sempre ao mesmo tempo Deus de formas diferentes, da tolerância necessária. Todos os dizeres, assim como o hino entoado, foram belíssimos e ditos com propriedade que um bom orador tem.

Mas, nisso tudo, sabe o que mais me chamou a atenção? A coragem desse pastor G.

Ele poderia se esquivar do convite e permanecer em seu culto já familiar ou até mesmo aceitar o convite e tentar uma doutrinação, mas não: ele foi corajoso e de peito aberto. Aceitou os cânticos iniciais, a defumação – não participando da mesma, por motivos óbvios – e respeitando aqueles presentes.

E citando o que o Vovô Chico, entidade da linha dos Pretos Velhos falou ontem nos atendimentos:

– Praticamente Daniel entrando na Cova dos Leões, com o temor, mas com a fé o guiando. Não a fé em uma doutrina religiosa, mas a fé em que Deus dissemina a palavra através de obras. E há melhores obras do que a tolerância e a caridade?

Veja bem, para ele nós poderíamos ser os leões. Para nós, ele era o leão, pois com certeza muitos também estavam temendo pelas palavras que seriam ditas.

Sei que dormi sossegado com esse tipo de atitude, depois de uma semana desgastante onde senti certo temor pela condução da raça humana. O mundo precisa de mais exemplos assim. Ainda mais que ele citou os trabalhos – e nunca a religião – de pessoas como Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Martin Luther King Jr. e Francisco Cândido Xavier.

Fechando o artigo assim como foi fechada a participação do pastor G e de sua família em nosso Terreiro:

Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faia…

Originalmente publicado em Perdido em Pensamentos.

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