Finalmente um destino adequado: o Museu da República vai receber as peças sagradas da umbanda e candomblé apreendidas pela polícia carioca entre 1889 e 1941. São mais de 523 itens que contam a história das religiões de matriz africana no país. Os materiais apreendidos estavam há anos no Museu da Polícia, antiga sede do DOPS do Rio de Janeiro, sendo que muitos em processo processo avançado de decomposição.
A batalha pela exposição e conservação adequada dessas peças é longa. Desde 1970, ativistas da umbanda e do candomblé pediam a retirada dessa coleção do Museu da Polícia. Os materiais carregam, além da história destas religiões, a história do racismo religioso institucionalizado no país. Daí a importância da vitória do povo de santo.
O Código Penal de 1891 proibia, de forma racista, “a prática do espiritismo, da magia e dos sortilégios” e o “curandeirismo”, recurso legal que foi utilizado pelas elites brancas para criminalizar as fés do povo preto no Brasil. Muitos negros foram presos por exercer sua fé e seus artefatos religiosos eram tomados pela polícia como ‘evidências do crime‘.
As mais de 500 peças ficaram estocadas no Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro por anos. Em 1938, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombou o acervo, intitulando a coleção como acervo de ‘Magia Negra‘.
Liberte ‘Nosso Sagrado’
Há anos, ativistas das religiões de matriz africana, mães e pais de santo, historiadores, antropólogos e outros cientistas sociais lutam pela liberação do acervo. O documentário ‘Nosso Sagrado’, de 2019, contou um pouca da história das peças e pediu liberação de itens afro-religiosos apreendidos pela polícia.
Segundo relatos, o acervo não tinha cuidado nenhum do Museu da Polícia, que, mesmo fechado por anos, insistiu em manter as peças sob sua supervisão. Finalmente, a coleção foi transferida para o Museu da República, o antigo Palácio do Catete, no bairro de mesmo nome, no Rio de Janeiro.
“É uma questão moral, mas também de reparação histórica e de combate ao racismo”, afirmou Marco Antonio Teobaldo, curador do Instituto Pretos Novos, à BBC. “Cada objeto carrega uma grande história, contando sobre os líderes religiosos que fizeram a história do candomblé e da umbanda. Mas há também a história do contexto em que esses objetos foram apreendidos, que precisa ser contada”, completou.
Confira o trailer da obra:
A luta com o MPF, ativistas e parlamentares foi bem sucedida e após anos, o acervo finalmente ganhou um novo destino. O Museu da República apresentou um projeto de restauração e conservação das peças e as negociações encaminharam a coleção para sua nova casa.
“A permanência desse acervo, a nomenclatura, a perpetuação dessa violação nos causa tanta indignação que quase não nos deixa margem para celebrar diante de tanto atraso nessa reparação, mas vitórias assim são muito importantes. Se inicia uma nova etapa de gestão desse acervo, justamente porque reparação passa por essa ideia de que violações não vão se repetir. Temos um desafio grande pela frente, que pode parecer que gere menos embate, mas é tão difícil quanto o que vai vir, dada essa realidade de silenciamento em que vivemos e a necessidade de que a gente coloque em evidência tanto o processo histórico como as peças e o acervo em si”, salientou o procurador da República Julio José Araujo Junior, à ÉPOCA.
Fonte: Hyperness
Fotos: Destaque: Wikimedia Commons Foto 1: Divulgação/MPF Foto 2: Reprodução/IPHAN/BrasildeFato