Foi na Avenida Prefeito Braulino de Matos Réis, no número 360, na Vila Leopoldina, em Caxias, na Baixada Fluminense, que o terreiro de Joãozinho da Gomeia abriu suas portas. O famoso babalorixá foi precursor do candomblé no Rio. Frequentado por celebridades nas décadas de 50 e 60, como o presidente Juscelino Kubitschek, o local, que deve virar um centro cultural em breve, esconde relíquias que estão sendo descobertas numa escavação arqueológica.
— Meu interesse por Joãozinho começou em 2012, quando participava de um projeto no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), levantando referências culturais para o registro do candomblé como patrimônio imaterial do Rio — explica o antropólogo e doutorando em arqueologia pela UFRJ, Rodrigo Pereira, chefe das escavações.
Quando foi conhecer a área onde ficava o famoso terreiro, o cientista encontrou um terreno baldio: — O Joãozinho virou meu objeto de estudo no doutorado.
Foram duas semanas de escavações com a ajuda de estudantes da pós-graduação em arqueologia do Museu Nacional e de funcionários da Prefeitura de Caxias. A busca revelou surpresas.
— Não sabia se ia encontrar muita coisa, o espaço estava degradado. Mas foram achados fios de contas, cerâmicas, objetos de jogo de búzios, cachimbos, telhas de amianto e garrafas de vidro. O Joãozinho tinha um trabalho social de doação de remédios para moradores — comenta Rodrigo.
Para o antropólogo, o resgate da memória é fundamental para a história do local e de Joãozinho. E também ajuda no debate sobre a intolerância religiosa:
— Estamos felizes porque, mesmo com a destruição do terreiro, ele ainda guarda muito da memória do espaço. Ainda é preciso discutir a intolerância, muito forte aqui no estado. Tem sido um trabalho rico.
A dona de casa Maria Auxiliadora Palmeira, de 55 anos, mora em frente ao terreno e conheceu Joãozinho da Gomeia quando era criança.
— Minhas irmãs e eu éramos curiosas, a gente gostava de saber como era lá dentro. Na época, o bairro era muito movimentado, ficava cheio de carro de artista parado aqui — lembra ela: — Joãozinho morreu quando eu tinha 12 anos. Lembro dele como uma pessoa do bem.
A primeira etapa das escavações foi finalizada na última sexta-feira. Os trabalhos terão continuidade no primeiro semestre do ano que vem, onde serão feitas mais duas pesquisas de campo no local onde ficava o terreiro de Joãozinho.
Futuro centro cultural
A Secretaria de Cultura de Caxias quer criar um centro cultural no terreno. O secretário Jesus Chediak disse que a ideia é o local oferecer oficinas de artesanato e gastronomia, venda de livros e de produtos culturais de países africanos de língua portuguesa.
— É importante valorizarmos as matrizes africanas que estão presentes na vida dos caxienses — afirma.
O projeto inclui um espaço multimeios, com teatro e uma sala dedicada a Joãozinho da Gomeia.
— Estamos trabalhando as ideias para viabilizar a construção em breve. Será feito um edital, onde arquitetos de países africanos darão sua contribuição — explica Chediak: — Queremos um centro cultural para fazer parte do roteiro turístico do Rio.
O baiano Joãozinho criou fama ao difundir o candomblé pelo Brasil usando a mídia. Dançarino do Cassino da Urca e homossexual assumido, chegou a Caxias nos anos 40. Ganhou o apelido Rei do candomblé da rainha Elizabeth II, durante a apresentação de um balé afro. Morreu em 1971 com tumor no cérebro e problemas cardíacos.
Fonte: http://extra.globo.com